top of page

Os caminhos do franchising no Brasil - parte II


Continuação


Chama atenção no atual momento do mercado de franchising é o latente desejo de desenvolver-se no quesito gestão, há um movimento inicial em direção a um maior refinamento da qualidade dos franqueados através de ferramentas de coaching, processos de seleção baseados em perfil psicológico e tentativa de capacitação na gestão financeira, esse processo funciona se aplicado em uma ação continua de treinamento que envolva todos os aspectos da gestão.


Os objetivos principais desse processo deveriam ser a redução de mortalidade, agilização do processo de maturação, absorção de cultura organizacional dos franqueados e aumento na produtividade traduzida em faturamento. No entanto, esses conceitos ainda não são regra geral no mecado.


Quando se fala em software de gestão e inteligência de negócio, vemos grandes massas de dados sendo gerados, porém muitas informações ainda armazenadas em máquinas localizadas no PDV (ponto de venda) sem acesso direto pelas marcas, perdendo toda capacidade de entender causa, efeito e previsibilidade do negócio.


Há que se considerar, também, que um estudo mais detalhado e discussões com duas das principais marcas de software do mercado, revelaram inconsistência e problemas nos critérios nos relatórios disponibilizados.


Há, ainda, as marcas que permitem que seus franqueados contratem sistemas de PDV de diferentes fornecedores dificultando ainda mais o processo de consolidação dos dados.


Os sistemas, que devem ser vistos como um importante gerador de informações que permitam definições estratégicas, visões de atuação e identificação de problemas para busca de soluções,ainda são apenas geradores de informações para cálculo de royalties e fundo de publicidade.

“Tendência nos Estados Unidos é fechamento de pelo menos 25% dos shoppings nos próximos 4 anos”

Cerca de 25% dos shoppings americanos deve fechar nos próximos 4 anos, esse dado foi revelado em relatório emitido pelo Banco Credit Suisse e publicado pela Revista Exame em junho de 2017.


Essa mesma publicação indica que no Brasil, os 20 shoppings abertos em 2016 operavam com vacância de 55%. Fatores como crescimento do comércio eletrônico e outlets explicam esse cenário e projeção, os espaços em shoppings em sua maioria voltados a comércio tendem a desaparecer e todo varejo relacionado a ele (como se vê hoje, deve acompanhar essa tendência).


Especialistas apontam que como alternativa os shoppings poderão se tornar centros de logística para acomodar a necessidade de espaço do comércio eletrônico ou, em outra vertente, centros de convivência com espaços de conveniência, trabalho e moradia.


Isso faz com que a parcela de franquias voltada ao varejo de produtos e serviços, que se apoiam em shoppings para sua operação, faça uma revisão de sua forma de atuação, ainda haverá espaço para lojas físicas e público nos volumes atuais? Como irão se comportar as lojas físicas ante a concorrência de lojas eletrônicas ou mesmo venda direta?


Migrar para comércio eletrônico é uma solução que algumas marcas estão adotando, isso gera outra questão: como realizar essa migração sem prejudicar aqueles que estão na marca?


Um exemplo dessa dificuldade, não pela mesma razão, mas, que pode ilustrar bem uma possibilidade, aconteceu com uma das principais marcas de cosméticos do País que em 2017 foi denunciada ao CADE e acusada de provocar, voluntariamente, a falência dos franqueados com até 30 anos de vivencia na marca afim de converter para loja própria e fortalecer sua estratégia de venda direta.

“Falta de regulamentação mais rígida e controle efetivo, diminui a capacidade de um investidor comparar duas franqueadoras a partir de seus números oficiais"

Exceto as franqueadoras que possuem ações negociadas em bolsa e seguem regras específicas da CVM, as demais não têm obrigatoriedade de emitir pacotes de informações ao público com o qual se relaciona.


Inexiste regulamentação que especifique critérios de contabilidade como reconhecimento de receitas, divulgações de informações relevantes, etc. A lei 8955/94 limita-se a determinar a obrigação de apresentar demonstrações financeiras dos dois últimos anos na carta oferta de franquia, porém, não define quais devem ser e a inexistência de órgão controlador, torna o artigo inócuo com franqueadoras divulgando balanços e demonstrações de resultados com até três ou quatro anos de atraso e critérios unicamente fiscais, que nem sempre são ideais para uma análise financeira correta por parte do candidato.


A falta de padrão torna a comparação e análise de viabilidade quase impossíveis. As leis tornaram-se ineficientes diante do crescimento desse segmento, não vamos nos esquecer que por trás de cada unidade existe um investidor, que apesar de ser empresário individual, pagou e paga pelo uso da marca, sistema, estoques, etc.


Outro problema causado pela falta de um órgão de controle e regulamentação é a divulgação de informações “exageradas” misturando unidade abertas com unidades comercializadas, mas que ainda são passíveis de cancelamento, falta de divulgação de unidades repassadas, encerradas e os respectivos contatos dos antigos franqueados levando candidatos a uma análise deficiente e tendenciosa.


Há, ainda, a falta de obrigação de divulgação das origens e aplicações do fundo de propaganda, um numerário cobrado pelas franqueadoras, pertencente ao fundo comum apenas administrado pela marca.


Falta um processo de comunicação de informações relevantes que podem comprometer o negócio como um todo.


Do lado do franqueado, a inexistência de uma regulamentação de endividamento máximo e a disponibilização de crédito ao micro negócio, por exemplo FAMPE, permite que muitos iniciem sua vida de empreendedor altamente endividados comprometendo o futuro da unidade e causando a mortalidade de muitas ainda nos primeiros anos e a sobrevida de outros pelos anos restantes de contrato.

“O mercado, como um todo, precisa compreender que a relação franqueado x franqueador é um simbiose onde todos podem ganhar, nunca como uma concorrência”

A soma de todos os itens comentados acima acaba gerando uma relação conflituosa entre as duas partes. Franqueadores têm dificuldades em obter informações de franqueados, o que limita sua capacidade de agir em favor dos mesmos, na mesma proporção em que evita divulgar suas informações.


Em 2014 a CAESP (Conselho de Arbitragem do Estado de São Paulo) indicou aumento de 30% no volume de conflitos entre essas duas partes. Os principais motivos foram:

- Falta de suporte do franqueador

- Inadimplência nos royalties

- Desrespeito a cláusula de raio de distancia

- Descaracterização de unidades, etc.


Apesar da falta de informações sobre os volumes atuais de demandas, a criação de entidades como o Sindicato de Franqueados de São Paulo, que já conta com mais de 167.000 associados, dá uma ideia da proporção que esses conflitos têm tomado, note que o fato de estar associado não está relacionado, necessariamente, a estar em conflito.


Uma solução encontrada pelo setor foi a criação de Conselhos de franqueados da marca, porém, a implantação ou mesmo o funcionamento adequado do mesmo ainda é uma realidade de poucas marcas.

“Auto regulamentar, antes de ser uma forma de frustrar novos empreendedores é uma defesa à imagem do segmento e garantia aos investidores de maior segurança”

Próprio de sua característica, o mercado de franchising deve ser compreendido, por franqueadores e franqueados, como a simbiose perfeita onde marcas crescem rapidamente com mínimo investimento e do outro lado os empreendedores reduzem riscos do investimento ao mesmo tempo em que otimizam e aceleram a performance.


O setor cresceu e continua crescendo, exige legislação mais detalhada que dê mais equilíbrio aos dois lados. Com essa visão devem ver com bons olhos e até mesmo lutar por uma regulamentação que torne o processo de novos entrantes nas duas pontas mais seguras permitindo que franqueadores estejam prontos para atuar como tal, reduzindo riscos de admissão de franqueados mais despreparados elaborando um processo de desenvolvimento apropriado afinal, o franqueado não é um sócio da marca mas, investe no em todo know how, branding e sucesso que a rede já provou ter.


A ABF, mesmo não sendo, um órgão regulamentador, pode ajudar, nesse meio tempo, por exemplo, um acordo com todas as marcas associadas por um código único de conduta e ética, contendo um pack de governança que pode ser progressivo, mas que demande um mínimo de transparência, a aderência a esse pack seria condição essencial para poder ostentar o selo de associado. Ainda nesse racional, pode, também, criar níveis de associação exigindo que qualquer marca que queira se associar deva atender a um mínimo de requisitos para estar em um ou outro nível podendo fazer uso da marca Associado ABF somente ao estar em níveis mais altos.


Outro ponto importante, é assumir a defesa do Franchising como um todo, com um setor que cuide especificamente dos franqueados, hoje a visão ainda está muito voltada a marcas associadas e por isso mesmo ainda temos casos sem explicação, como os citados nesse artigo e muitos outros, individuais, não públicos.


O simples aumento de faturamento nunca deve ser o balizador para determinar o crescimento do setor e sim uma série de conquistas que inclua a redução de mortalidade de marcas e unidades franqueadas, um acompanhamento sobre repasses também deve ser realizado uma vez que há potencial enorme que o investimento não seja recuperado nessa operação.


Compreendo que franqueadoras iniciantes possuem cultura familiar, são mantidas em escritórios de contabilidade externo e terão dificuldades para se adequar e manter um nível de governança complexo, por esse motivo a sugestão de exigências definidas pelo tamanho de cada uma.


Famílias têm perdido seu investimento, muitas vezes a economia de uma vida por falta de transparência e capacidade de gestão, é preciso cuidar que todos tenham real oportunidade de investir de forma consciente, crescer e ter sucesso.


O mercado de franchising é fantástico e benéfico para todos os players nele inseridos, há muito que evoluir e muito que avançar para se tornar eficiente, seguro e confiável. Devemos ter a consciência que as mudanças hoje almejadas e festejadas são só o início de um processo longo que exige muita resiliência e disciplina de todos. Hoje, ainda, fatores importantes são exceção às grandes e reconhecidas marcas.

Comentarios


  • Facebook ícone social
  • LinkedIn ícone social
  • YouTube ícone social
  • Instagram ícone social

© 2018 by Creativeteam 

bottom of page